Por Antonio Martins do blog Outras Palavras
No início de 2010, menos de dois anos após o início da crise econômica global que persiste até hoje, Joseph Stiglitz, Nobel da Economia, publicou O Mundo em Queda Livre(“Freefall”). Ao analisar as respostas políticas adotadas até então contra a crise, ele observou que elas ameaçavam conduzir o planeta a uma depressão semelhante à que foi aberta em 1929. O poder das elites financeiras estava levando os governos a adotar medidas que concentravam ainda mais a riqueza e desmantelavam, em favor da “liberdade dos mercados”, o poder de planejamento e regulação dos Estados. No entanto, tais ações conduziriam a uma redução geral da demanda por bens e serviços que terminaria por levar as economias ao colapso. Stiglitz chamou este fenômeno de “O Grande Mal-Estar” (“The Great Malaise”). Nesta virada de ano, ele acaba de reforçar o vaticínio, num artigoalarmante porém não desesperançado. “Os remédios estão à disposição”, diz. O que falta, ainda, é reunir força política para vencer a hegemonia da aristocracia financeira e implementá-los.
O Nobel de Economia alimenta seu fio de esperança de três fontes. A primeira é o espaço para ações que poderiam reorganizar as economias. Em todo o mundo, há imensasnecessidades de infraestrutura há muito represadas. Pense na despoluição dos rios brasileiros, num programa de urbanização das periferias, na reconstrução de uma rede nacional de ferrovias. Estes projetos, sozinhos, seriam capazes de “absorver trilhões de dólares”, sustenta o artigo — e gerar centenas de milhões de ocupações de todos os tipos. Mas não são os únicos. Em toda parte, são urgentes mudanças econômicas estruturai. EUA e Europa precisam completar a transição, de sociedades industriais para sociedades de serviços. A China será obrigada a voltar sua imensa produção para o consumo local, e não mais para as exportações. América Latina e África devem reverter a tendência perigosíssima à reprimarização de suas economias.
A segunda observação transformadora de Stiglitz é: os mercados jamais serão capazes de coordenar as iniciativas necessárias para tais mudanças. Seu papel é permitir a acumulação de riquezas, não garantir a satisfação das necessidades humanas. Para tanto, requerem-se investimentos e planejamento públicos: “gastos em infraestrutura, educação, tecnologia, meio ambiente e mudanças estruturais em todo canto do mundo”. Algo que as sociedades decidem coletivamente, quando são capazes de refletir sobre si próprias – não aquilo que cada agente econômico produz, ao lutar por seus interesses egoístas.
Mas então, porque sociedades e Estados permanecem paralisados? Segundo Stiglitz, porque a política e ideologia de nossa época continuam dominadas pelos interesses de uma pequena fração da elite. Propostas óbvias – como “o aumento dos gastos governamentais, combinado com redistribuição de riqueza e impostos mais altos” – são afastadas por uma sensação fabricada de medo e impotência. Para compreender como este controle hegemônico opera, procure encontrar nos jornais diários, ou na programação da TV, algum debate efetivo sobre o “ajuste fiscal” brasileiro — que une governo e oposição, mas engorda essencialmente a oligarquia financeira…O Nobel de Economia parece convencido de que as sociedades serão capazes de romper a vendaque as deixa às escuras, à beira do abismo. Não se trata de aposta otimista, mas de ação. Nos últimos meses, Stiglitz interveio concretamente em episódios políticos nos quais o pensamento dominante foi questionado. Às vésperas do plebiscito grego, sobre o acordo com os credores, escreveu artigos em favor do não – que o governo de Atenas desistiu de defender, apesar de majoritário nas urnas. Também reuniu-se em Nova York com o espanhol Pablo Iglesias, líder do partido-movimento Podemos, quando repetiu suas críticas às políticas de “austeridade”. Em novembro, no Brasil, condenou o “ajuste fiscal”, lembrando que ele ameaça, inclusive, anular os ganhos sociais alcançados no governo Lula. Semanas depois, incentivou a frente de esquerda que assumiu o governo em Portugal (reunindo do morno Partido Socialista ao instigante Bloco de Esquerda) a romper com as políticas favoráveis ao 1% mais rico.
Ler seu artigo, na abertura de um ano difícil, é um alento. Sugere que é possível enfrentar muito – crises econômicas, ondas conservadoras, governos que parecem pisotear as urnas que os elegeram – quando não se perde a noção de que ainda estão rolando os dados. Ou, como dizia Paulo Freire, “o mundo não é, está sendo”; 2016 será, em boa medida, o que fizermos dele.
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